Fazia calor naquele junho em Louisville, capital do Kentucky e do Bourbon. Estava quente e úmido, o que aumentava ainda mais os aromas das ruas da cidade conhecida pelo destilado que representa o país. Dobra-se uma esquina, um cheiro de mosto fermentando sobe mais forte e inebriante que pãozinho saindo do forno em padaria. Em outra, é o aroma do próprio líquido que se expande, e até hoje me transporta para lá. A viagem para conhecer a destilaria de Maker’s Mark, na pequena cidade de Loretto, a alguns quilômetros dali, me encheu de memórias olfativas inesquecíveis. Foi uma explosão de sentidos – do olhar ao gosto. Mas dois me chamam mais atenção – e eles têm tudo a ver com o processo de fabricação de Maker’s Mark, e do resultado que a gente sente em boca quando prova esse Bourbon – o preferido dos bartenders.

Se texto tivesse cheiro, agora era o momento em que eu falaria pra você inspirar bem fundo e sentir um aroma que não me sai da cabeça e que vou tentar traduzir aqui. Mas ele vem junto com uma sensação, e com imagens tão fortes quanto bonitas. No calor daqueles dias, a temperatura subiu alguns graus quando adentrei, já devidamente paramentada de óculos de proteção e capacete, o galpão da Kentucky Cooperage, tanoaria que faz a maioria dos barris de carvalho americanos usados na indústria do Bourbon. Assim que você entra no espaço de pouco mais de 500 metros quadrados, já vê as ripas de carvalho novo e sente aquele aroma da madeira fresca, quase apimentada, entrando pelas narinas. Faz calor porque os barris serão tostados, chamuscados, para extrair deles o sabor que faz um dos líquidos mais famosos do mundo.

A montagem dos barris chama atenção: são feitos manualmente um a um, numa escolha de cada uma das ripas que o compõem sendo feitas tal qual um compositor escolhe as notas para uma orquestra. É uma orquestra de montagem. Depois, os barris seguem para a máquina onde receberão o fogo que vai tostá-los, extraindo todos os aromas secundários da madeira. A imagem é impressionante. Eles entram deitados, recebem um jato de fogo no seu interior e saem fumegantes, despejados da máquina ao chão. O cheiro é de caramelo, de carvão, doce e defumado. Aí a gente entende tudo. Quando um líquido entra ali, no barril de carvalho americano novo e tostado, vai receber todo aquele sabor. As tostas mudam de acordo com cada destilaria – e podem variar de nível do um ao cinco, ou seja: mais ou menos tostado. Tudo é milimetricamente pensado.
No caso de Maker’s Mark, tive o privilégio de provar o líquido que sai da fermentação e destilação do milho, trigo de inverno e malte antes de entrar no barril. É translúcido e tem um gosto marcante de grãos e de pão, além de forte em álcool. É o barril que o transforma em Bourbon. A baunilha, o caramelo, a madeira, e o “arredondado” e “aveludado” que a gente logo atribui a Maker’s Mark. É essa tosta, extraída da natureza, que faz o destilado ser o que é. Mas não é só. Mais aromas nos levam à garrafa, vem comigo.

AS DORNAS DE MADEIRA

Dali, seguimos para Loretto, onde fica a fazenda de Star Hill, que abriga a destilaria de Maker’s Mark. Logo na entrada, um jardim sensorial de plantas que vão da arruda à losna, da lavanda ao hortelã. Ele serve para ajudar na criação dos drinks e no trabalho de quem desenvolve as inovações e garante a qualidade e o padrão de Maker’s Mark – tudo passa pelos aromas, que vão compor o sabor.

Entrando na destilaria em si, a gente logo entra numa sala que parece ter parado no tempo: dornas enormes de madeira com um mosto fermentando – o cheiro de fermento, uma acidez acética resultado do processo, as bolhas se formando. Um aroma robusto, natural. É o mosto sendo feito, transformado. Um dos cheiros e dos cenários mais impressionantes. Dali, daquelas dornas artesanais, sai um dos melhores Bourbons do mundo. É impressionante.

Depois, a destilaria em si: o cheiro do álcool destilado, potes e mais potes de grãos que compõem o líquido, como o trigo vermelho de inverno que dá todo o aveludado, que tem aquela profundidade diferente do trigo comum. O milho, presente em pelo menos 51% do mosto, trazendo todo o aroma característico. O malte e todo o seu caramelo tostado. A gente entende ainda mais o resultado final. O líquido que sai dali é forte com 130 proof – ou 65% de álcool – transparente, a gente logo vê que precisa ser “arredondado”. E aí vem a etapa quase final.

Saindo em direção ao galpão dos barris, onde Maker’s Mark enfim descansa, absorvendo todos os sabores da madeira. São metros e metros de barris. É quente, escuro, a gente fica suando, os barris ali, recebendo mais calor em cima, menos calor embaixo. O cheiro da madeira com o destilado dentro é intenso. O liquido que entra no barril tem 55% de álcool, mais baixo que a maioria dos Bourbons, já que o limite é 125 proof, ou 62,5% de álcool, e entra na garrafa a 45%. Ali dento, se transforma. O cheiro no galpão parece um perfume amadeirado, cheio de doçura e de álcool. O que sai deles é Maker’s Mark, já com uma marca que traz os aromas da natureza, as mãos daqueles que movem os barris, preparam o mosto, colhem o trigo. O Bourbon chega a todos os cantos do mundo por um processo artesanal e aromático, cheio de cheiros e história.

Eu poderia ter dito que para ser Bourbon é preciso ser feito nos Estados Unidos, envelhecido em barril de carvalho americano novo e tostado, ter 51% de milho na composição, entrar no barril com até 125 proof – ou aproximadamente 62,5% e na garrafa a não menos que 80 proof – ou 40% de álcool – e não ter mais nada adicionado a não ser água. E que Maker’s Mark sai da destilação com 130 proof, entra no barril a 110 e entra na garrafa a 90. Mas ao te guiar pelos aromas e mãos que fazem esse líquido ser o que é, você entende a ciência – a excelência e o artesanal – por trás dos números. E aí só nos resta brindar a isso. Saúde.